Ficha Técnica
Título original: Cidadão BoilesenGênero: Documentário
Duração: 92min.
Lançamento (Brasil): 2009
Distribuição: Imovision
Direção: Chaim Litewski
Roteiro: Chaim Litewski
Produção: Chaim Litewski, Pedro Asbeg, Jose Carlos Asbeg, Jorge Jose de Melo, Ojvind Kyro
Produtor executivo: Chaim Litewski, Pedro Asbeg, Jose Carlos Asbeg
Co-produção: Palmares Produções E Jornalismo
Música: Lucas Marcier, Rodrigo Marçal
Som: Damião Lopes
Fotografia: Cleisson Vidal, José Carlos Asbeg, Ricardo Lobo
Câmera: Cleisson Vidal, José Carlos Asbeg, Ricardo Lobo
Edição: Pedro Asbeg
DOCUMENTÁRIO “CIDADÃO BOILESEN”: A “DITADURA
CIVIL-MILITAR” E A PARTICIPAÇÃO DO EMPRESARIADO LATINO-AMERICANO
NOS GOLPES MILITARES E NA REPRESSÃO
(Autor: Hugo Rincon Azevedo)
O documentário “Cidadão
Boilesen” do diretor Chaim Litewski, é um filme que trabalha o
papel do empresariado brasileiro no Golpe de 1964 e no financiamento
da repressão e combate ao subversivo, o inimigo interno, com a
formação e manutenção de grupos repressores como a OBAN (Operação
Bandeirante). Apesar de mostrar/citar brevemente alguns outros
capitalistas financiadores da repressão (houve mais menções a
grupos e empresas, do que pessoas), o documentário personifica esse
empresariado representado-o na figura de um homem, o empresário
dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Boilesen, que na década
de 1960 é o diretor-presidente da companhia de gás de cozinha
Ultragaz.
A estrutura do documentário
contém elementos variados, como a utilização de trechos de filmes
nacionais sobre o período da ditadura, vídeos, fotos, matérias e
propagandas (tanto de empresas como governamentais), entrevistas e
depoimentos. As entrevistas e depoimentos contém a participação de
membros dos dois lados dos conflitos do período ditatorial, os
repressores e reprimidos. Há participação de militares, inclusive
um que foi membro da OBAN, amigos e familiares de Henning Boilesen,
historiadores, ex-militantes (que foram torturados, perseguidos,
exilados ou não), jornalistas, políticos, empresários, etc.
Um ponto interessante do
documentário é o uso do controverso, principalmente nos depoimentos
pró Boilesen e Regime Militar. No início do filme contém trechos
de um outro documentário exaltando as qualidades do grande
empresário dinamarquês brasileiro Henning Boilesen, e é mencionado
que ele em idade escolar era sempre o “primeiro da classe”, em
seguida são mostrados documentos se sua antiga escola na Dinamarca
que demonstrava
o
contrário, que suas notas estavam sempre abaixo da média.
Outro
exemplo quando um militar aposentado em depoimento, diz que não
existiu o financiamento e participação dos Estados Unidos com os
grupos de Repressão no Brasil, e em seguida o documentário mostra
um documento que comprova a participação estadunidense. Em uma
outra cena, a utilização de uma música que vangloriava o Regime
Militar e forçava um sentimento de patriotismo, como trilha sonora
de imagens dos militares reprimindo violentamente manifestações. Há
também o trecho de uma propaganda governamental do período em que o
narrador fala: “o Brasil pode estar certo de que as forças armadas
estão capacitadas a assegurar sua proteção contra os inimigos e
salvaguardar a Democracia, a Liberdade e a Justiça!”. Democracia?
Liberdade? Justiça? São palavras que provavelmente nem existiram no
dicionário de português das forças armadas, e se existiram, foi
com significado conturbado. Mas vale ressaltar que esses conceitos de
democracia, liberdade e justiça só funcionavam para aqueles que
consentiam e apoiavam o regime, e claro, principalmente para aqueles
que o financiaram. Nesses aspectos o documentário explora muito bem
o controverso para refletir e problematizar essas questões.
Uma questão levantada pelo
filme e que tem sido debatida por historiadores nas últimas décadas
é o papel das elites conservadoras (grandes grupos capitalistas,
empresários, latifundiários) na influência nos Golpes Militares na
América Latina, no controle, financiamento e manutenção dessas
ditaduras, chamadas pelo termo “Ditadura Civil-Militar”. No
documentário há uma menção que os empresários brasileiros temiam
que o João Goulart instalasse no Brasil uma “república
sindicalista”, que esse teria sido um dos motivos desses grupos
dominantes apoiarem os militares. Vale ressaltar também o medo dos
grandes latifundiários latino-americanos da Reforma Agrária. Nesses
países onde a desigualidade social imperava, com movimentos
operários e de trabalhadores rurais em crescimento, a “ameaça
comunista”, a “desordem”, assombravam as elites locais. Nesse
contexto entram as forças armadas com o aparato profissional de
controle e repressão, mas com a necessidade de um financiamento, que
tornou-se o papel da elite. Reforçando essa idéia, para Enrique
Padrós, “as
exigências de mudanças profundas, estruturais, promovidas por
fortes movimentos populares, levaram os setores dominantes e seus
sócios estrangeiros a desenvolver uma percepção de insegurança
para sua privilegiada situação política e econômica.”1
Outro
fator era a crise dos estados-populistas (muitos líderes eram
simpatizantes do Socialismo ou apoiavam movimentos sindicais, como
Cárdenas no México, Perón na Argentina, etc.), no Brasil, como
mostra o documentário, a política adotada por João Goulart não
agradava as elites e causavam temor nos militares, que viam nele uma
possibilidade de subversão do país e como diz um empresário e
político (pró regime militar) em depoimento no filme, o receio da
“cubanização” do território brasileiro.
“Os
setores economicamente dominantes viram, nessa intervenção e na
própria DSN, a viabilização da 'tranqüilidade social' tão
necessária para seus interesses.”2
A Doutrina de Segurança Nacional criada e implantada pelos EUA,
influenciou os golpes militares. A profissionalização dos
militares, as escolas militares, como a Escola Superior de Guerra,
ambientes onde a Doutrina de Segurança Nacional e o anticomunismo
foram amplamente difundidos. Na América Latina, essa doutrina ganhou
características particulares, como as idéias de: segurança
nacional vinculada ao desenvolvimento nacional, a subversão
associada ao subdesenvolvimento. É na segunda que a doutrina
norte-americana ganhou mais força, onde o medo da subversão está
no inimigo interno, aquele que represente um perigo à nação,
geralmente adeptos ao ideal comunista.
No
combate a subversão é interessante ressaltar a influência militar
francesa no treinamento dos militares brasileiros para guerras
anti-revolucionárias, na idéia de combate ao inimigo interno.
Dentro desse treinamento para guerras anti-revolucionárias, surgiram
as idéias de formação de grupos “antiterroristas”, de combate
ao subversivos e etc., como a OBAN, o principal desses grupos, que é
mencionado no documentário como o grupo financiado por Boilesen e
outros empresários. Esses grupos de repressão, mesmo que muitos
digam ser “clandestinos”, eram compostos por militares,
financiados por civis, e que praticavam o Terror de Estado. Essa
prática repressiva aplicada na América Latina durante o período
das ditaduras, “através das orientações da DSN e na forma de
guera contra-insurgente, é um terrorismo de grande escala, dirigido
a partir do centro do poder estatal, dentro ou fora das suas
fronteiras.”3
O TDE era recorrente de diversas práticas, desde a criação de uma
“pedagogia do medo” até a execução e desaparecimento do
inimigo. Consistia de prisões aleatórias, interrogações,
torturas, execuções, desaparecimentos, entre outras formas dessa
repressão. Esse movimento repressivo não combatia exclusivamente
membros de movimentos armados contra a ditadura, mas qualquer pessoa
considerada subversiva.
Esse
Terror de Estado e principalmente sua “política de
desaparecimento” criou na América Latina um movimento popular
pelos Direitos Humanos, fazendo emergir o tema na região. Parentes
das vitimas (torturadas, mortas, desaparecidas ou exiladas) com o
apoio da Igreja Católica exerceram um papel importante na luta
contra a ditadura, pois iniciou-se uma discussão sobre o tema. O que
acontecia nos “porões da ditadura” começou a “chegar aos
ouvidos da população”. Sendo possivelmente um dos fatores que
levou o povo aos movimentos pela democratização.
Uma
questão muito interessante levantada pelo documentário é a
utilização de veículos de empresas privadas por membros da OBAN
durante suas ações de repressão. Além dos veículos do grupo
Ultra (no qual, Boilesen era um dos mandatários), a utilização de
veículos do grupo Folha, mesmo grupo a que pertence o jornal Folha
de São Paulo, impresso no qual alguns anos atrás referiu-se ao
período do regime militar brasileiro como “Dita-mole” e
“Dita-branda”. Isso nos leva a refletir como muitos grupos e
empresas foram beneficiados pela ditadura, assim como grande parte da
mídia, que apoiou e ajudou a divulgar e construir uma boa imagem do
regime, com as propagandas para alienar e convencer a população a
aceitar e até “endeusar” as forças armadas.
O
Documentário Cidadão Boilesen leva a uma reflexão sobre um passado
que o Brasil parece “querer esquecer”. Atualmente, quase 30 anos
após o fim do regime militar, inicia-se a Comissão da Verdade, que
tem como objetivo esclarecer os crimes contra os direitos humanos
praticados na Ditadura Militar. Infelizmente aos civis patrocinadores
desses crimes e os militares que cometeram, nada irá acontecer. As
empresas e grupos, muitos ainda existem e beneficiaram-se bastante do
regime. Enquanto deveriam no mínimo pagar por seus crimes, essas pessoas: os
civis que estão vivos, vivem bem com os lucros da ditadura, os
militares recebem generosas pensões do governo, aos que morreram,
suas famílias beneficiam-se dessas regalias.
O
filme reforça a discussão historiográfica sobre o papel dos civis
(elites) durante as Ditaduras Militares na América Latina, com
ênfase no Brasil e no empresário Henning Boilesen, que foi apenas
mais um, dos vários civis que influenciaram, financiaram e
beneficiaram-se dos regimes militares latino-americanos e suas
práticas repressivas através do Terror de Estado.
BIBLIOGRAFIA
D'ARAÚJO, Maria Celina. “Densidade democrática e instabilidade na
redemocratização latino-americana”. In: Ditadura e Democracia na
América Latina: balanço histórico e perspectivas / Organizadores
Carlos Fico... [et. al.]. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
PADRÓS, Enrique Serra. “Repressão e violência: segurança
nacional e terror de Estado nas ditaduras latino-americanas”. In:
Ditadura e Democracia na América Latina: balanço histórico e
perspectivas / Organizadores Carlos Fico... [et. al.]. – Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2008.
QUADRAT, Samantha Viz. “ A emergência do tema dos direitos humanos
na América Latina”. In: Ditadura e Democracia na América Latina:
balanço histórico e perspectivas / Organizadores Carlos Fico...
[et. al.]. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
______________________. “Ditadura, violência política e direitos
humanos na Argentina, no Brasil e no Chile”. In: História das
Américas: Novas perspectivas / Organizadores Cecília Azevedo,
Ronald Raminelli. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
REFERÊNCIAS
CIDADÃO Boilesen. Documentário. Direção: Chaim Litewski.
Destribuição: Imovision, 2009. 92 minutos.
1Ver
artigo “Repressão e violência: segurança nacional e terror de
Estado nas ditaduras latino-americanas. PADRÓS, Enrique Serra
(2008).
2Idem.
3Idem.